O título desse post poderia ser “Do começo da odisseia”. Ou ainda, sem nada dever à verdade, “Do dia mais cansativo da minha vida”. No entanto, para que o título mostre com clareza o assunto do texto, vai o que lá está.
Postagem mais do que necessária ainda que atrasada. Mesmo que eu não me lembre de todos os detalhes, esta narração será grande, mas não será nada quando comparada a viver na pele o meu primeiro dia em terras francesas, tema destes parágrafos. Palavras serão incapazes de exprimir toda a angústia que eu, um amigo e uma amiga da Engenharia Mecânica da UFRJ, Rebello e Carol, vivemos naquele fatídico domingo, dia 24 de julho de 2011. Sem mais delongas, passemos à história.
Depois de uma última semana no Brasil com seis despedidas em cinco dias e muitos problemas ainda a resolver, comecei a fazer minha mala no sábado às 3 da manhã sendo que o meu vôo partiria do Galeão às 19:45 naquele mesmo sábado. Logo, quando não aguentava mais, fui dormir. Já eram 7 da manhã. Ainda fui obrigado pela minha consciência a colocar o despertador para às 10 da manhã, pois estava desesperado com a possibilidade de haver falta de tempo para fazer tudo como eu queria. Em seguida, foi acordar, escolher e pedir pra mamãe a última refeição e continuar a arrumar as malas. Pausa às 13h para o último almoço em família em muito tempo. Depois, roupas na minha frente: camisas, camisetas, blusas sociais, terno, bermudas, meias, cuecas, tênis, sapato, casacos, … Além disso, documentos, presentes, eletrônicos, … Ah, e o feijão! (Sim, trouxe 4 Kg de feijão pra França pra não sentir tanta falta do prato preferido dos brasileiros.) Após isso tudo, a paranoia era tão grande que imaginei que minhas malas estavam mais do que estufadas e haviam passado do limite permitido pela AirFrance. Antes do aeroporto, passagem pela farmácia para pesar as malas. Tudo paranoia. Volta em casa, pega mais coisas, enfia tudo na mala e, agora sim, aeroporto.
Não aconselho fazer nada disso de última hora, mas foi a escolha que eu fiz para poder me despedir como eu queria de todos os meus amigos: separadamente, para poder dar o máximo de atenção para cada um, o que me tomou bastante tempo. Contudo, não me arrependo nem um dia dessa escolha: todas as despedidas foram perfeitas.
Vale ressaltar que o penúltimo parágrafo foi só pra dar uma ideia de como eu já cheguei cansado no aeroporto. Lá, as emoções. Quem me conhece, sabe o quão fácil as lágrimas escorrem pelo meu rosto. Então, a despedida final e o coração apertado. Muito obrigado por quem esteve lá. Foi mais um presente.
A prova de minhas lágrimas: olhos inchados na última foto no Brasil.
Entrar no avião é razoavelmente difícil, pois a fila é imensa. Faltando 10 minutos para a decolagem, estamos já lá dentro e sentados. A ficha começa a cair. É tudo verdade. O piloto fala pelos alto-falantes e tudo está certo. Levantamos vôo. Eu e Carol disputamos cada olhar pela janela porque é a última chance de ver o Rio de Janeiro, o nosso Rio, ao vivo. A Cidade Maravilhosa termina na janela e ficamos nós três conversando.
A janta, tipicamente francesa. Tenho que dizer que estava boa. O fato interessante sobre ela é que foi somente o começo do costume de comer um queijo com pão entre o prato principal e a sobremesa.
Em seguida, a tentativa de dormir. Eu olhava para os lados e os dois já dormiam enquanto eu tentava fechar os olhos e quase nunca conseguia fazê-lo durante mais que cinco minutos de tanta apreensão. Finalmente, após conseguir uma hora e meia de sono, acordei quando a Carol despertou. Após isso, questão de tempo até ela levantar e, bêbada de sono, derrubar todos os pães do café da manhã da bandeja em cima de um francês e falar “Desculpa!” depois. Sem problemas (ah, a ironia).
Eu e Rebello com cara de sono depois da Carol já ter derrubado os pães.
Depois de um desjejum razoável, era hora de chegar na França e, como diz a menina dos pães derrubados, “correr atrás dos nossos sonhos”. Nesse exato momento, como já faziam dois dias que eu não dormia direito, era só chegar em Vichy tranquilamente que eu queria. Doce ilusão. Ilusão à francesa.
Saímos do avião às 11h e entramos no principal aeroporto de Paris, o Charles de Gaulle. Gigantesco. Subímos uma escada rolante e descemos quatro para buscar nossas malas. Nesse meio tempo foi-se aproximadamente uma hora e meia só para podermos nos achar no aeroporto e passar pela imigração. A seguir, perguntamos como poderíamos fazer para chegar até a Gare de Lyon (estação de trem) (é em Paris mesmo, não em Lyon), onde sairia o trem para Vichy. Já sabíamos da existência de um ônibus da AirFrance mesmo que ia diretamente para a tal estação. Pegamos tal ônibus com uma certa tranquilidade.
Após alguns 20 minutos de ônibus, a motorista fala alguma coisa em francês dizendo que não poderia nos levar até a Gare de Lyon por algum motivo ainda desconhecido por nós. Ficaríamos na Gare de Montparnasse. Entramos nessa estação, procuramos saber como pegar um trem ou um metrô para a outra estação, mas estava difícil de descobrir. “E agora?!”, “Vamos de táxi pra outra estação porque eu quero chegar cedo em Vichy”. hahaha (Daqui a pouco você entenderá a risada caro leitor.) Então, para procurar um táxi, demos a volta inteira na gare sem saber direito a besteira que estávamos fazendo e depois de uma hora e meia da nossa chegada na estação de Montparnasse, estávamos no mesmo lugar, só que muito mais cansados e com menos tempo. Nesse momento, passa um táxi, eu o paro e pergunto quanto seria para nos levar até a Gare de Lyon. A resposta foi ainda mais frustrante do que imaginávamos. “Não dá, hoje está acontecendo a Tour de France e tem um bando de ciclistas estúpidos na rua!”. Tudo bem, essa foi a minha interpretação do que ele disse visto que teríamos que pegar um trem ou um metrô para pegar o trem pra Vichy. Mas eu não achei que seria tão pior.
Vale lembrar que tudo que foi contado até agora e será contado foi feito com duas malas e uma mochila com cada um de nós.
Novamente entramos na estação. Agora, decididos a pegar um transporte alternativo. Primeira informação, fornecida por um guarda: “peguem o metrô da linha ‘x’ aqui, mudem de metrô na estação ‘a’ e depois peguem o metrô da linha ‘y’ pra Gare de Lyon”. Entre nós: “Mas ainda tem que trocar de metrô até chegar à Gare de Lyon?!”. Eu digo que vou ligar pra minha mère d’accueil (algo como “mãe de acolhida”, a dona da casa na qual estou aqui em Vichy) para saber se é pra ser tão difícil mesmo. Quando eu ligo, ela me diz que eu não tenho que ir pra Gare de Lyon e sim pra uma outra estação, o que significa que é ainda mais difícil. Depois disso, começamos a entrar em parafuso… “Vamos perguntar para alguém que saiba mesmo.”. Procuramos e, depois de mais uns 15 minutos, encontramos uma mulher com um colete pronta para nos ajudar. “blá blá blá … Como que faz pra chegar lá?”. “Então, essa segunda linha que o guarda mandou vocês pegarem não está funcionando e, na verdade, vocês tem que pegar outro caminho. Oh, peguem a linha ‘x’ aqui, mudem de metrô na estação ‘b’ e depois peguem o metrô da linha ‘z’ pra Gare de Lyon. Lá tem trem pra Vichy.”. Acreditamos nela por duas razões: já estávamos loucos de cansaço pra perguntar pra qualquer outra pessoa como fazer pra chegar no nosso destino e ela tinha um colete escrito “posso te ajudar?”, que foi o motivo principal.
Para chegar na estação do metrô, que era no subsolo, enfrentamos nosso primeiro jogo de escadas não-rolantes com as malas. Seis míseros degraus. Mas, como somos futuros engenheiros, criamos um método para movimentar nossas malas em escadas. Nomearei-o de método empírico F, pois o encontramos por pura experimentação e, na França. Explico-o. Tal método consiste em: primeiro, a Carol vai (sobe ou desce) com a sua mala mais leve e sua mochila; depois, vou eu com a minha mala mais pesada e a minha mochila e deixo esses dois itens com a Carol, que já está na outra extremidade da escada; em seguida, eu volto para tomar conta das malas ainda remanescentes e o Rebello vai com a sua mala pesada e com a sua mochila, deixa tudo com a Carol e volta; após isso, eu e o Rebello descemos juntos, cada um com a sua mala mais leve e pronto.
Agora, fila de 20 minutos para comprar os bilhetes do metrô de Paris. O que eram 20 minutos a essa altura? Para entrar na estação do metrô, outro trauma… Uma porta de 50 cm de largura que fechava e abria fazendo um barulho como que de uma espaçonave abrindo seus compartimentos especiais. Além disso, tinha um tempo máximo para passar. Algo do tipo cinco segundos. No final das contas, com medo da tal porta, a Carol jogou no chão sua mochila com o notebook e a chutou por medo de não conseguir passar a tempo com todas as malas.
Depois de entrar na estação, após seguir o caminho que a mulher do colete nos indicou e ter que fazer aproximadamente dez vezes o método empírico F porque o metrô de Paris tem mais escadas do que Hogwarts, o que nos fez perder quase todo o resto de energia que nos restava, chegamos na Gare de Lyon pra pegar o trem pra Vichy. Essas utilizações consecutivas do método nos fizeram perder só três horas (ah, a ironia…). Em seguida, mais uma hora esperando na fila pra comprar o bilhete do trem com nossso destino final que partiria às 19h (o último com destino à cidade), mas já eram 18:30. Compramos algo pra comer e fomos pro trem. Mais uma vez, método empírico F para colocar todas as malas no trem. Durante as três horas de viagem, uma razoável tranquilidade, exceto o fato de que, com nossas malas, ocupamos seis lugares, e não três, além de ocupar todo o corredor fazendo com que muitas pessoas quase caíssem ao tropeçarem nas malas. Creio que deixamos alguns franceses irritados…
As malas que incomodaram.
Depois dessa odisseia, o resultado era evidente: todos mortos.
Às 22h, chegamos em Vichy, e as famílias com as quais ficaríamos estavam lá para nos buscar na estação. Depois, foi entrar em casa, jantar, rir quando o meu pai ligou pra cá e não sabia o que dizer pra me chamar, tomar um banho e dormir já a 1 da manhã porque às 8 da manhã já tinha que estar no curso.
Com esse dia no meu currículo, eu posso até ter outro dia bem cansativo na minha vida, mas sempre vou lembrar: “Ah, mas de qualquer jeito, hoje não foi pior do que o dia em que eu cheguei na França. Eu cheguei já cansado, …”
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PI 1: por causa da pressa, deixei muito por fazer no Brasil. Para os futuros Centraliens, coisas a não esquecer antes de vir pra França: deixe tudo que for relacionado à sua bolsa de estudos e como você trará o dinheiro em perfeito funcionamento antes de você vir para não ter surpresas quando precisar de algo; faça uma procuração de plenos poderes (nem sei se é assim que se chama, mas acho que dá pra entender) para alguém da sua família, pois você pode precisar; compre alguns pares de Havaianas antes de vir, porque eu não gostava delas, mas eu roubei as do meu pai no último momento e elas estão vindo muito bem a calhar em quase todos os momentos aqui; por enquanto é tudo que eu me lembro, mas tem mais, que será adicionado em próximas postagens.
PI 2: Desde o começo da faculdade, estava marcado na minha mochila a seguinte inscrição: “Objetivo: França”. Após o resultado da seleção, em novembro de 2010, mudei o plano de fundo do meu computador para a vista aérea da Ecole Centrale de Nantes. Mas, dois meses antes de ir embora, mudei para a foto do Pão de Açúcar. Como esses sentimentos são engraçados.
PI 3: O queijo da janta no avião era um camembert e eu achei tão forte que só provei e não quis mais. Mesmo que sejam só cinco semanas de França, eu já estou tão acostumado com os queijos que o camembert hoje em dia já chega a ser fraco pro meu gosto. Até o paladar muda.
PI 4: A gente sai do Brasil, tem uma janta como eu tive no avião, com camembert e vinho francês, e acha que a AirFrance é podre de rica. Tá bom, pode até ser, mas quando a gente chega aqui, vê que os queijos são dez vezes mais baratos que no Brasil (sem exagero) e o vê que o vinho que eles te dão é praticamente o mais barato do mercadinho.
PI 5: A intenção da Carol e do Rebello era de pegar o trem das 14h pra Vichy! xD