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Dia 21 de outubro de 2011. Ansiedade tentando escapar pela garganta. Às 18h, após uma apresentação da análise de imprensa que fiz sobre a morte de Steve Jobs (alguns dos trabalhos não relacionados diretamente à engenharia que temos que fazer e que, por vezes, se tornam bem maçantes), estaria livre para tudo que os dez dias de viagem me propiciariam. Juro: fiz contagem regressiva. Só queria que as férias, mesmo que relativamente pequenas, chegassem. E chegaram com tudo. Primeira parada: Zénith Nantes Métropole, casa de shows que, naquela noite, acolheria Bruno Mars.

Saí da aula e fui imprimir todas as passagens da viagem: trem Nantes – Paris, avião Paris – Barcelona, avião Barcelona – Porto, avião Porto – Madri, avião Madri – Paris e, finalmente, trem Paris – Nantes. Após uma briga enorme com quase todas as impressoras da école (nenhuma queria imprimir os bilhetes… legal…), achamos uma que resolveu nos ajudar. Porém, quando terminei tudo, eram 20h. Show do Bruno Mars? Marcado para 20:30 e a 45 minutos da école… Para melhorar minha situação, nessa hora lembrei que faltava imprimir o próprio ingresso do show! Liga pra um amigo, liga pra outro pra trazer o pendrive com o ingresso, vai em casa, busca o passaporte, come algo correndo (não comia desde o almoço) e, às 20:20, saio de casa.

Durante todo o caminho pensando: tem que ter uma banda de abertura! Chegando lá, sozinho, depois de uma hora (tinha esquecido de contar o enorme trajeto a pé que eu deveria fazer para chegar ao show), ainda havia muita gente e nenhum show: a banda de abertura já tinha saído e nenhum sinal do Bruno Mars. Procurei um lugar na escada para me sentar em razão da enorme multidão na frente do palco. Finalmente, começa o show.

Simplesmente genial! O cara tem uma presença de palco incrível e brinca com a sua voz o tempo inteiro! Os três caras dos metais que estavam logo ao seu lado também brincavam constantemente com a maneira de tocar seus instrumentos: um sax, um trompete e um trombone. Sendo assim, as músicas ficavam ainda melhores do que quando gravadas no álbum!!! E o som estava completamente limpo. Perfeito! E as luzes… O show de luzes era colossal! Ninguém pode colocar um defeito na apresentação inteira!  Quem quer que tenha a oportunidade de ir num show do Bruno Mars, faça-o e não se arrependerá nem um pouco!!!

Depois de fazer o caminho de volta boquiaberto, cheguei em casa e comecei, como sempre muito atrasado, a fazer a mala para a viagem enquanto falava com meus pais pelo skype. Afinal de contas, não sabia se seria possível fazê-lo durante os próximos dez dias de albergues pela Espanha e por Portugal.

Com a mala pronta para encarar a Ryan Air (companhia aérea dos meus pesadelos — explicarei melhor nos próximos posts) e com todos os assuntos postos em dia com meus pais, faltava somente uma hora para o alarme tocar e eu acordar e ir pegar o meu trem para Paris.

Continua…

PI 1: A título de explicação: as férias da Toussaint se passam sempre nessa época do ano, quando ocorre o feriado de Todos os Santos, celebrado dia primeiro de novembro. Por isso, tive as férias começando no dia 21 de outubro, uma sexta-feira, tendo como seu último dia, o dia de Todos os Santos.

PI 2: os franceses e as francesas, principalmente os pré-adolescentes e adolescentes, presentes no show estavam em êxtase assim como se, no Brasil, eu tivesse ido a um show do Restart. Ok, talvez um pouco menos, mas de qualquer jeito, escutei gritinhos de “gostosooo!” em francês enquanto o Bruno Mars respondia: “Não sei o que isso significa, mas acho que… obrigado!”

PI 3: programando novas idas a essa casa de shows incrível na qual tive o prazer de estar. Cirque du Soleil e o musical Cabaret que me aguardem!

Prezados leitores,

Essa mensagem se dirige a todos os interessados em saber como fiz para chegar aqui na França, mas especialmente aos meus potenciais calouros. (xD~ Quem faz engenharia na UFRJ entendeu a referência nos dois primeiros parágrafos.)

Como um bom fã de Machado de Assis e das suas sugestões de saltos entre capítulos para os sem paciência, dou as coordenadas para os que estão no processo seletivo agora e não podem perder muito tempo com preâmbulos e precisam da descrição da entrevista com os franceses: pule para o sétimo parágrafo. Caso você venha a ter uma tarde livre em breve, o autor ficaria feliz de sua leitura.

Contarei agora como fui selecionado para ficar dois anos na terra da baguete estudando engenharia. Primeiramente, minha história começa com uma palestra de recepção de calouros na UFRJ que se passou antes que eu tivesse qualquer aula… Com meus pais presentes na cerimônia, ouço uma história de intercâmbio de duplo-diploma na França. Olhei bem para um diretor empolgado falando sobre o assunto e senti que aquela oportunidade poderia ser minha. A partir dali, já sabia que queria vir para cá. Sendo assim, segui a risca o conselho que me deram e que vale para qualquer um que queira ser aprovado nesse processo seletivo: associe as maiores notas possíveis ao máximo de atividades extra-curriculares que você conseguir. Basicamente é isso. É simples, mas não é fácil…

Após isso, devo enfatizar os conselhos práticos sobre a preparação para vir, que nunca podem ser esquecidos: coloque o máximo de aulas de francês que couber no seu horário. Bom… estude francês em casa também que é uma boa. Ah… estude francês vendo e lendo jornal pela internet, vendo filmes, escutando músicas,… Enfim, se puder vir pra França pra estudar francês antes do seu processo seletivo, melhor ainda! (Se você, depois desses conselhos, conseguir fazer sobrar algum tempo, estude álgebra linear porque aqui tudo é com matriz. Tudo.) Digo tudo isso sobre o francês por ter verificado muito rapidamente ao chegar aqui em Nantes que, para as aulas, a língua quase nunca atrapalha, salvo algumas poucas exceções. No entanto, quando se trata de vida cotidiana, de integração com os franceses (e da amizade com os franceses, que não é tão difícil assim de se fazer como se imagina), de ir no mercado, de se comunicar em geral, se você estudou pouco francês, você ainda terá uma barreira a vencer.

Vamos ao que interessa? O meu processo seletivo foi constituído de duas partes: a pré-seleção, que é uma análise de documentos feita pela CRI – Coordenação de Relações Internacionais –, e uma entrevista com cinco professores franceses, um de cada Ecole Centrale. Para a primeira parte, tive que fazer basicamente três coisas: pedir uma carta de recomendação para algum professor da UFRJ, fazer o meu curriculum vitae e escrever uma carta de motivação. Para a recomendação, sem problemas: tive um professor de Física (vale adicionar que o cara é muuuito gente boa!) que me conhecia bem e, por isso, aceitou fazer uma carta pra mim. Melhor conselho para pedir carta de recomendação: alguém que te conheça bem. E só. Para o CV, alguns empecilhos: vi setecentos e trinta e oito currículos antes de começar a escrever o meu. Isso com o objetivo de ver todos os modelos possíveis. No fim das contas, escolhi o primeiro modelo que eu tinha visto… (esperto eu não?!) Já para a carta de motivação foi bem pior… Eu só tinha um modelo de um veterano meu e um arquivo pdf de quinze páginas em francês (na época, só um ano e meio de curso, o que dificultou) explicando sobre como fazer uma carta de motivação. E só! Bom, resumindo: um dia para ler o arquivo e escrever quais as coisas mais importantes sobre como escrevê-la, uma tarde para o brainstorming de ideias de experiências para colocar na carta e, finalmente, uns dois dias no total, para redigir a minha carta por inteiro. É, eu sou um pouco perfeccionista…

Depois de aprovado na pré-seleção, faltava agora a parte mais esperada e mais complicada: a entrevista com os franceses. Você pode escolher, na hora mesmo, fazê-la em francês, em inglês ou esbanjar conhecimento misturando as duas línguas (seria legal se eu já tivesse, na época, um nível de francês pra fazer isso). Caso você opte pela primeira alternativa, sem problema nenhum. Porém, só o faça se tiver certeza de que consegue levar até o fim só em francês (imagino que não deve ser legal ter dificuldades com o francês e apelar para o inglês). Eu já tinha feito a segunda opção há pelo menos seis meses. Por isso, desde que o edital de seleção abriu, eu ficava ensaiando tudo o que eu gostaria de falar na entrevista na minha cabeça em inglês e via todos os tipos possíveis de filme americano só pra melhorar o meu inglês. Toda noite, antes de dormir, eu passava pelo menos uma meia-hora criando mentalmente a checklist que entraria em ação no dia D. Essa checklist continha todos os tópicos que eu tinha que abordar durante a entrevista para que tudo desse certo. Assim, eu ficava treinando no caminho de ida e volta para a faculdade, quando eu almoçava sozinho, com os amigos às vezes,… Lembro até de um amigo que fez uma simulação comigo uma semana antes da entrevista real. Essa é uma boa ideia para vocês também potenciais calouros!

Lembro-me mesmo do final de semana anterior a entrevista, que se passou na segunda-feira dia 18/10/2010. No domingo 17, foi aniversário da minha avó e saímos com toda a família para almoçar. Não podia parar de pensar que no dia seguinte o meu destino seria decidido por cinco pessoas. Começava a imaginar as infinitas possibilidades de futuro e parava. E mais uma vez na minha mente eu dizia: “Vamos para a checklist…”, e eu treinava.

Na noite de domingo, toda a roupa do dia seguinte já estava pronta para ser vestida. Comi bem e sem exageros durante todo o dia para estar em perfeito estado na segunda. Meu pai me disse que me levaria para a entrevista no dia seguinte. Uma preocupação a menos. Não dormi nem cedo nem tarde, mas no horário perfeito para estar descansado no dia seguinte sem ter dormido demais. Na segunda de manhã, toda a casa de pé às 6 para me desejar boa sorte. Daí em diante, eu lembro de cada instante até eu sair da sala de entrevista. Cada rua que eu passava com a mochila no colo me dava angústia. Cada rua que eu via todos os dias no caminho para a UFRJ se faziam novas pois eu nunca as tinha visto daquele jeito: olhos de ansiedade como nunca antes. E eu ia ensinando o percurso para o meu pai.

Cheguei cedo e esperei na ante-sala junto com os outros dezessete pré-selecionados. Todos, de maneira perceptível, suavam frio. Exceto um certo rapaz, que agora está aqui comigo em Nantes, que estava dormindo num sofá longe da ante-sala. É isso mesmo… Quando a responsável da CRI pelas entrevistas fez a chamada após entrar com os cinco franceses na sala (todo mundo suando gelo agora…) e chamou o seu nome, eu tive que falar que ele estava lá, mas dormindo num sofá ali perto…

Quem vai primeiro? Ordem alfabética. A responsável da CRI chama: “Bernardo”. Hora fatídica. Entrei, me sentei e comecei a entrevista. Lembro-me de todas as perguntas até hoje. Sobre a iniciação científica, sobre os eventos científicos que eu fui, sobre como os meus pais estavam sobre eu estar num processo seletivo no qual, se aprovado, eu iria morar dois anos fora de casa, sobre o porque de eu querer estudar aqui, sobre como eu tinha adquirido o meu inglês, sobre como estava o meu francês (nessa hora eu já respondi em francês pra eles não perguntarem outra coisa – essa era a única frase que eu tinha treinado na língua deles), sobre o meu futuro profissional, sobre meu ponto mais forte e o mais fraco, se eu já tinha alguma experiência em morar sozinho,… Muita coisa. Uns bons vinte minutos de entrevista. Pelo menos uma pergunta deles foi em francês, o que poderia me abalar, mas eu entendi sem problemas e respondi em inglês porque já estava condicionado a falar inglês o tempo todo. Então, sem problemas com a língua.

A pergunta que não quer calar: eu consegui preencher a checklist? Sim, eu consegui. Mas foi difícil encaixar tudo que eu queria falar. Eram muitas perguntas e sobre assuntos bastante variados que nem sempre abriam o caminho para o que eu gostaria de abordar exatamente. No entanto, como eu vivi todas as respostas para essas perguntas, não me preparei diretamente para elas. Preparar-se ou não depende do quanto você está certo do que falar caso alguém pergunte algo sobre a sua vida.

No final, saí tranquilo pois consegui mostrar para os entrevistadores quem eu era e o quanto eu tinha me preparado para o intercâmbio. Apesar de eu estar bastante confiante de ser selecionado depois de ter feito a entrevista, sabia que ao menos poderia sair dela com o espírito feliz, sabendo que eles sabiam muito sobre quem eu era, levando em conta que eles falaram comigo durante vinte minutos. E foi exatamente com esse objetivo que eu entrei naquela sala.

Bom, para os meus potenciais calouros, digo que vos escrevo com o forte intuito de vê-los em grande número aqui pelas Centrales no ano que vem. Sabendo que a parte final da seleção, a entrevista com os franceses, se aproxima, resolvi partilhar com vocês tais memórias para vocês encontrarem algumas informações úteis acima. Tenho que dizer também que a entrevistadora representando a Ecole Centrale de Nantes será a mesmo que no ano passado, a Emilie Poirson (creio que ela só não estará na UFC nesse ano). Ela é extremamente legal. Logo, pelo menos com um dos cinco vocês não tem preocupação né.

Ótima entrevista para vocês!

PI única: Se de alguma maneira fosse possível saber como é na realidade o intercâmbio antes de vir para cá, eu teria ficado muito, mas muito chateado se eu não fosse aprovado. O intercâmbio é tudo que se imagina de bom e muito mais.

Todos me olham e isso é certo. O problema é que nem todos me vêem. Apresento-me logo em seguida para fazer-vos refletir. De forma irônica: muito prazer em conhecê-lo, chamo-me céu. Como vos disse o que está sendo um problema, compartilho também que algo está mudado.

Tenho sentido que alguém, em algum lugar dessa esfera redonda e azul a qual protejo há muitos anos, tem me observado com olhos atentos. Após os primeiros dias que senti tal expressão em direção a mim, comecei a mudar meu aspecto e passei a me mostrar mais.

Conversando um pouco com esse olhar, soube que ele estava acostumado a me ver de uma maneira diferente. Para ele, eu aparecia frequentemente coberto por inteiro tal qual um carioca no inverno europeu ou nu como um bebê em seu banho. Duas imagens que eu achava atrair os espectadores. Sim, atraía, mas esse olhar em especial precisaria de mais para que eu prendesse a sua atenção. A partir daí, comecei a trabalhar mais minhas cores. Enquanto antes eu era preguiçoso e, por consequência, praticamente unicolor, agora usava de artifícios únicos para conseguir me fazer notar melhor por tal pessoa.

Assim, comecei a demonstrar que sou o mesmo não importando o olhar que me vê. Observando-me do Rio de Janeiro ou de Nantes, sou o mesmo e é isso que importa. Muitas vezes posso estar mais apagado ou menos colorido, mas o que me caracteriza é muito mais do que isso. Uma identidade não se observa pelo estar de espírito, mas pelo ser de espírito, o que muda tudo. Por isso falo língua portuguesa e não francesa: pois a primeira me dá a capacidade de explicitar tal diferença de ser e de estar, enquanto que a segunda só tem um verbo que contém os dois sentidos.

Prosseguirei com as mudanças inevitáveis. A identidade se manterá.

Sem conectivo entre as duas últimas frases pois, felizmente, tais mudanças em nada se relacionam com minha identidade.

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PI 1: Faz-me bem olhar esse céu todos os dias. Lembra-me que ele conecta a todos, basta observá-lo.

PI 2: Esse céu me faz lembrar de meteorologia. Então, aviso aos navegantes: já estou com frio aqui em Nantes… Isso porque fazem 16ºC. Estou com sérios problemas para quando o inverno chegar. Assusta-me de verdade quando as pessoas começam a falar, fora do contexto da química, de temperaturas começando por “menos”.

PI 3: É… ser carioca é: já estar preocupado procurando roupa térmica para o inverno europeu quando fazem 16ºC…

Após essa singela foto, pode-se compreender um pouco o título deste post. Ou não.

A situação: churrasco de recepção dos calouros brasileiros aqui na Centrale Nantes organizado pelos nossos veteranos brasileiros. Simplesmente Brasil. Esta frase, apesar de parecer repetitiva, faz-se necessária pois já tínhamos tido um churrasco de recepção, mas organizado pelos franceses. Eles não sabem fazer festa, tadinhos… O deles é pão com linguiça e eles acham que tá super legal.

Bom, integração de verdade. Estavam presentes todos os calouros, praticamente todos os veteranos e alguns vovoteranos. Falamos muito sobre ‘n’ aspectos da vida em Nantes, do intercâmbio como um todo e muitas histórias desfilavam por sobre as carnes, ainda que estas últimas fossem muito importantes tendo em vista a seca de proteína pela qual passávamos.

Em um certo momento, fui conversar com um vovoterano meu, o Ângelo, do Ceará. Dali a três dias, ele estaria voltando para o Brasil. Trocamos ideias até que começamos a falar do preconceito que os cariocas têm em relação aos cearenses. Como o Vasco, meu time do coração, tinha acabado de ganhar do Ceará no campeonato brasileiro, fiz uma singela piada: “Mas você sabe que eu até gosto do time do Ceará… Vocês facilitam as coisas pra nós no Brasileirão!”. Foi isso que bastou pra ele contar até três tampando a garrafa de cerveja que estava em sua mão e correr atrás de mim me dando um banho de cevada. Senti que a partir daquele momento poderia começar de verdade minha vida em Nantes: um ritual de iniciação…

Após a brincadeira, conversamos mais um pouco até que o assunto da bebida francesa é puxado: o vinho. Conto que gostaria de aprender sobre a cultura desse alimento (é assim que o caracterizo). Após algumas dicas, digo que tenho um vinho no meu quarto e que poderia buscá-lo para ele me mostrar as manhas. “Pega um sapato também.”. “Ângelo, pra que um sapato?”. “Você vai ver.”. “Tá, mas só não estraga porque eu nunca usei.”. Finalmente, ele faz a demonstração da técnica de abrir uma garrafa de vinho com um sapato.

Depois, tirei a foto do começo desse post e, a partir desse momento, passei a andar com o sapato no bolso da minha bermuda. Com esse artefato a mais na minha vestimenta e tendo o nosso churrasco terminado, fomos para o “churrasco” dos franceses. Graças ao espanto das pessoas com tal objeto não usual, fiz amizade com francesas até no banheiro! xD É, alguns banheiros aqui são mistos.

Enfim, nesse dia falei com tanta gente que minha voz sumiu. Porém, apareceram muitas histórias pra contar. O sentimento que aparecia durante o dia inteiro era: “É, é tudo verdade. Tá tudo acontecendo.”

PI 1: Durante o nosso churrasco, havia uma invasão de franceses que sabem que nós, brasileiros, sabemos fazer festa muito bem enquanto o churrasco deles estava um fiasco. Claro, até que chegamos lá e colocamos um tempero canarinho na reunião.

PI 2: Como prova de que o método funciona, tenho a rolha intacta até hoje. Com (ou sem, sei lá…) piadas de duplo sentido.

O título desse post poderia ser “Do começo da odisseia”. Ou ainda, sem nada dever à verdade, “Do dia mais cansativo da minha vida”. No entanto, para que o título mostre com clareza o assunto do texto, vai o que lá está.

Postagem mais do que necessária ainda que atrasada. Mesmo que eu não me lembre de todos os detalhes, esta narração será grande, mas não será nada quando comparada a viver na pele o meu primeiro dia em terras francesas, tema destes parágrafos. Palavras serão incapazes de exprimir toda a angústia que eu, um amigo e uma amiga da Engenharia Mecânica da UFRJ, Rebello e Carol, vivemos naquele fatídico domingo, dia 24 de julho de 2011. Sem mais delongas, passemos à história.

Depois de uma última semana no Brasil com seis despedidas em cinco dias e muitos problemas ainda a resolver, comecei a fazer minha mala no sábado às 3 da manhã sendo que o meu vôo partiria do Galeão às 19:45  naquele mesmo sábado. Logo, quando não aguentava mais, fui dormir. Já eram 7 da manhã. Ainda fui obrigado pela minha consciência a colocar o despertador para às 10 da manhã, pois estava desesperado com a possibilidade de haver falta de tempo para fazer tudo como eu queria. Em seguida, foi acordar, escolher e pedir pra mamãe a última refeição e continuar a arrumar as malas. Pausa às 13h para o último almoço em família em muito tempo. Depois, roupas na minha frente: camisas, camisetas, blusas sociais, terno, bermudas, meias, cuecas, tênis, sapato, casacos, … Além disso, documentos, presentes, eletrônicos, … Ah, e o feijão! (Sim, trouxe 4 Kg de feijão pra França pra não sentir tanta falta do prato preferido dos brasileiros.) Após isso tudo, a paranoia era tão grande que imaginei que minhas malas estavam mais do que estufadas e haviam passado do limite permitido pela AirFrance. Antes do aeroporto, passagem pela farmácia para pesar as malas. Tudo paranoia. Volta em casa, pega mais coisas, enfia tudo na mala e, agora sim, aeroporto.

Não aconselho fazer nada disso de última hora, mas foi a escolha que eu fiz para poder me despedir como eu queria de todos os meus amigos: separadamente, para poder dar o máximo de atenção para cada um, o que me tomou bastante tempo. Contudo, não me arrependo nem um dia dessa escolha: todas as despedidas foram perfeitas.

Vale ressaltar que o penúltimo parágrafo foi só pra dar uma ideia de como eu já cheguei cansado no aeroporto. Lá, as emoções. Quem me conhece, sabe o quão fácil as lágrimas escorrem pelo meu rosto. Então, a despedida final e o coração apertado. Muito obrigado por quem esteve lá. Foi mais um presente.

A prova de minhas lágrimas: olhos inchados na última foto no Brasil.

Entrar no avião é razoavelmente difícil, pois a fila é imensa. Faltando 10 minutos para a decolagem, estamos já lá dentro e sentados. A ficha começa a cair. É tudo verdade. O piloto fala pelos alto-falantes e tudo está certo. Levantamos vôo. Eu e Carol disputamos cada olhar pela janela porque é a última chance de ver o Rio de Janeiro, o nosso Rio, ao vivo. A Cidade Maravilhosa termina na janela e ficamos nós três conversando.

A janta, tipicamente francesa. Tenho que dizer que estava boa. O fato interessante sobre ela é que foi somente o começo do costume de comer um queijo com pão entre o prato principal e a sobremesa.

Em seguida, a tentativa de dormir. Eu olhava para os lados e os dois já dormiam enquanto eu tentava fechar os olhos e quase nunca conseguia fazê-lo durante mais que cinco minutos de tanta apreensão. Finalmente, após conseguir uma hora e meia de sono, acordei quando a Carol despertou. Após isso, questão de tempo até ela levantar e, bêbada de sono, derrubar todos os pães do café da manhã da bandeja em cima de um francês e falar “Desculpa!” depois. Sem problemas (ah, a ironia).

Eu e Rebello com cara de sono depois da Carol já ter derrubado os pães.

Depois de um desjejum razoável, era hora de chegar na França e, como diz a menina dos pães derrubados, “correr atrás dos nossos sonhos”. Nesse exato momento, como já faziam dois dias que eu não dormia direito, era só chegar em Vichy tranquilamente que eu queria. Doce ilusão. Ilusão à francesa.

Saímos do avião às 11h e entramos no principal aeroporto de Paris, o Charles de Gaulle. Gigantesco. Subímos uma escada rolante e descemos quatro para buscar nossas malas. Nesse meio tempo foi-se aproximadamente uma hora e meia só para podermos nos achar no aeroporto e passar pela imigração. A seguir, perguntamos como poderíamos fazer para chegar até a Gare de Lyon (estação de trem) (é em Paris mesmo, não em Lyon), onde sairia o trem para Vichy. Já sabíamos da existência de um ônibus da AirFrance mesmo que ia diretamente para a tal estação. Pegamos tal ônibus com uma certa tranquilidade.

Após alguns 20 minutos de ônibus, a motorista fala alguma coisa em francês dizendo que não poderia nos levar até a Gare de Lyon por algum motivo ainda desconhecido por nós. Ficaríamos na Gare de Montparnasse. Entramos nessa estação, procuramos saber como pegar um trem ou um metrô para a outra estação, mas estava difícil de descobrir. “E agora?!”, “Vamos de táxi pra outra estação porque eu quero chegar cedo em Vichy”. hahaha (Daqui a pouco você entenderá a risada caro leitor.) Então, para procurar um táxi, demos a volta inteira na gare sem saber direito a besteira que estávamos fazendo e depois de uma hora e meia da nossa chegada na estação de Montparnasse, estávamos no mesmo lugar, só que muito mais cansados e com menos tempo. Nesse momento, passa um táxi, eu o paro e pergunto quanto seria para nos levar até a Gare de Lyon. A resposta foi ainda mais frustrante do que imaginávamos. “Não dá, hoje está acontecendo a Tour de France e tem um bando de ciclistas estúpidos na rua!”. Tudo bem, essa foi a minha interpretação do que ele disse visto que teríamos que pegar um trem ou um metrô para pegar o trem pra Vichy. Mas eu não achei que seria tão pior.

Vale lembrar que tudo que foi contado até agora e será contado foi feito com duas malas e uma mochila com cada um de nós.

Novamente entramos na estação. Agora, decididos a pegar um transporte alternativo. Primeira informação, fornecida por um guarda: “peguem o metrô da linha ‘x’ aqui, mudem de metrô na estação ‘a’ e depois peguem o metrô da linha ‘y’ pra Gare de Lyon”. Entre nós: “Mas ainda tem que trocar de metrô até chegar à Gare de Lyon?!”. Eu digo que vou ligar pra minha mère d’accueil (algo como “mãe de acolhida”, a dona da casa na qual estou aqui em Vichy) para saber se é pra ser tão difícil mesmo. Quando eu ligo, ela me diz que eu não tenho que ir pra Gare de Lyon e sim pra uma outra estação, o que significa que é ainda mais difícil. Depois disso, começamos a entrar em parafuso… “Vamos perguntar para alguém que saiba mesmo.”. Procuramos e, depois de mais uns 15 minutos, encontramos uma mulher com um colete pronta para nos ajudar. “blá blá blá … Como que faz pra chegar lá?”. “Então, essa segunda linha que o guarda mandou vocês pegarem não está funcionando e, na verdade, vocês tem que pegar outro caminho. Oh, peguem a linha ‘x’ aqui, mudem de metrô na estação ‘b’ e depois peguem o metrô da linha ‘z’ pra Gare de Lyon. Lá tem trem pra Vichy.”. Acreditamos nela por duas razões: já estávamos loucos de cansaço pra perguntar pra qualquer outra pessoa como fazer pra chegar no nosso destino e ela tinha um colete escrito “posso te ajudar?”, que foi o motivo principal.

Para chegar na estação do metrô, que era no subsolo, enfrentamos nosso primeiro jogo de escadas não-rolantes com as malas. Seis míseros degraus. Mas, como somos futuros engenheiros, criamos um método para movimentar nossas malas em escadas. Nomearei-o de método empírico F, pois o encontramos por pura experimentação e, na França. Explico-o. Tal método consiste em: primeiro, a Carol vai (sobe ou desce) com a sua mala mais leve e sua mochila; depois, vou eu com a minha mala mais pesada e a minha mochila e deixo esses dois itens com a Carol, que já está na outra extremidade da escada; em seguida, eu volto para tomar conta das malas ainda remanescentes e o Rebello vai com a sua mala pesada e com a sua mochila, deixa tudo com a Carol e volta; após isso, eu e o Rebello descemos juntos, cada um com a sua mala mais leve e pronto.

Agora, fila de 20 minutos para comprar os bilhetes do metrô de Paris. O que eram 20 minutos a essa altura? Para entrar na estação do metrô, outro trauma… Uma porta de 50 cm de largura que fechava e abria fazendo um barulho como que de uma espaçonave abrindo seus compartimentos especiais. Além disso, tinha um tempo máximo para passar. Algo do tipo cinco segundos. No final das contas, com medo da tal porta, a Carol jogou no chão sua mochila com o notebook e a chutou por medo de não conseguir passar a tempo com todas as malas.

Depois de entrar na estação, após seguir o caminho que a mulher do colete nos indicou e ter que fazer aproximadamente dez vezes o método empírico F porque o metrô de Paris tem mais escadas do que Hogwarts, o que nos fez perder quase todo o resto de energia que nos restava, chegamos na Gare de Lyon pra pegar o trem pra Vichy. Essas utilizações consecutivas do método nos fizeram perder três horas (ah, a ironia…). Em seguida, mais uma hora esperando na fila pra comprar o bilhete do trem com nossso destino final que partiria às 19h (o último com destino à cidade), mas já eram 18:30. Compramos algo pra comer e fomos pro trem. Mais uma vez, método empírico F para colocar todas as malas no trem. Durante as três horas de viagem, uma razoável tranquilidade, exceto o fato de que, com nossas malas, ocupamos seis lugares, e não três, além de ocupar todo o corredor fazendo com que muitas pessoas quase caíssem ao tropeçarem nas malas. Creio que deixamos alguns franceses irritados…

As malas que incomodaram.

Depois dessa odisseia, o resultado era evidente: todos mortos.

Às 22h, chegamos em Vichy, e as famílias com as quais ficaríamos estavam lá para nos buscar na estação. Depois, foi entrar em casa, jantar, rir quando o meu pai ligou pra cá e não sabia o que dizer pra me chamar, tomar um banho e dormir já a 1 da manhã porque às 8 da manhã já tinha que estar no curso.

Com esse dia no meu currículo, eu posso até ter outro dia bem cansativo na minha vida, mas sempre vou lembrar: “Ah, mas de qualquer jeito, hoje não foi pior do que o dia em que eu cheguei na França. Eu cheguei já cansado, …”

PI 1: por causa da pressa, deixei muito por fazer no Brasil. Para os futuros Centraliens, coisas a não esquecer antes de vir pra França: deixe tudo que for relacionado à sua bolsa de estudos e como você trará o dinheiro em perfeito funcionamento antes de você vir para não ter surpresas quando precisar de algo; faça uma procuração de plenos poderes (nem sei se é assim que se chama, mas acho que dá pra entender) para alguém da sua família, pois você pode precisar; compre alguns pares de Havaianas antes de vir, porque eu não gostava delas, mas eu roubei as do meu pai no último momento e elas estão vindo muito bem a calhar em quase todos os momentos aqui; por enquanto é tudo que eu me lembro, mas tem mais, que será adicionado em próximas postagens.

PI 2: Desde o começo da faculdade, estava marcado na minha mochila a seguinte inscrição: “Objetivo: França”. Após o resultado da seleção, em novembro de 2010, mudei o plano de fundo do meu computador para a vista aérea da Ecole Centrale de Nantes. Mas, dois meses antes de ir embora, mudei para a foto do Pão de Açúcar. Como esses sentimentos são engraçados.

PI 3: O queijo da janta no avião era um camembert e eu achei tão forte que só provei e não quis mais. Mesmo que sejam só cinco semanas de França, eu já estou tão acostumado com os queijos que o camembert hoje em dia já chega a ser fraco pro meu gosto. Até o paladar muda.

PI 4: A gente sai do Brasil, tem uma janta como eu tive no avião, com camembert e vinho francês, e acha que a AirFrance é podre de rica. Tá bom, pode até ser, mas quando a gente chega aqui, vê que os queijos são dez vezes mais baratos que no Brasil (sem exagero) e o vê que o vinho que eles te dão é praticamente o mais barato do mercadinho.

PI 5: A intenção da Carol e do Rebello era de pegar o trem das 14h pra Vichy! xD

Do título

As palavras que constituem o título deste blog não o fazem por acaso. Cada caractere foi selecionado após um longo debate pós-almoço com um, acredito que posso dizer, grande amigo meu. Vale ressaltar que ele foi o primeiro em terras europeias que não só esperou que eu terminasse de comer, como também conversou comigo após a refeição! (Em média, levo 40 minutos para terminar uma refeição francesa inteira: entrada, prato principal, queijo com pão – o pão é detalhe -, e sobremesa. Após esses 40 minutos, há duas opções principais: todos já se foram ou já estão com a mochila nas costas me esperando terminar.)

Para explicar a criação desse nome, devo dizer que a descrição do blog já estava pronta antes do título. Isso porque, após uma aventura ocorrida no último domingo (contarei em detalhes nos próximos posts mas, em resumo, remei numa canoa durante 6 horas e 20 Km), refleti um pouco sobre as grandes e as pequenas impressões que podemos ter de uma situação. Sendo assim, esse dia criou em mim a inspiração necessária para finalmente, como diz Machado, me pôr a pena na mão. (Atualmente, são os dedos no teclado, mas a expressão continua válida.) Logo, era necessário um nome onde estivesse embutida tal ideia. Após uma pequena discussão sobre os objetos que poderiam representar tais diferenças de impressão sobre a vida, chegamos a conclusão que seriam os óculos.

Faltava alguma coisa no nome e isso era claro para nós dois. Daí, ele com a magnífica ideia: “óculos pra ver Nantes passar”. Perfeito. Cinco palavras simples que exprimiam muito sobre mim. Isso só poderia ter saído de quem me conhece bem. Até a minha paixão quase secreta pelas letras estava presente com a referência ao terceiro verso de A Banda, de Chico Buarque. Assim, caso ficasse com tais palavras, ainda ganharia a demonstração do meu amor pela MPB no título do meu blog, além da citação da cidade que será a minha moradia durante os próximos dois anos. Concordamos.

Últimas considerações: “E quanto à pontuação?”, “Letra maiúscula para os ‘óculos’?”, “Não, só ‘Nantes’.”, “Um ponto de interrogação após ‘óculos’?”. Não era necessário. Iluminação praticamente instantânea de meu amigo: “Três pontos antes de tudo.” Estava pronto: “… óculos para ver Nantes passar”. Além de tudo, os três pontos antes de tudo, mostram uma máxima minha, que diz que praticamente nada é independente de educação e de cultura. Logo, há sempre uma história. Mesmo antes de uma frase. Por isso eu a conto.

Enfim, um título para não se pôr defeito. Saímos do refeitório orgulhosos de nós mesmos (meio ridículo, mas é verdade).

Essas foram as grandes impressões. Agora, as pequenas impressões:

PI 1 (Pequena Impressão 1): Para dar os devidos créditos, o nome do amigo é Guilherme Rebello.

PI 2: Antes das ideias que estão no texto, surgiram algumas bastante risíveis, mas estas foram suprimidas para manter a reputação dos dois… OK, já que vocês insistem, eu conto algumas: “Adaptador e máquina fotográfica”, ideia do Rebello de colocar dois objetos pra mostrar as grandes e pequenas impressões… ; “Binóculos + algo”, a razão bizarra pela qual BINóculos surgiu primeiro que óculos eu não sei… ; “Essência e Detalhes”, que era o nome do blog até o momento em que eu falei com o Rebello e ele me disse que esse título era muito Roberto Carlos.

PI 3: Começo o blog com um certo atraso, mas todas as histórias importantes que me aconteceram até o momento serão contadas retroativamente nos próximos posts.

PI 4: Quem quiser, pode ir em https://bernardonantes.wordpress.com/about/ para saber os motivos pelos quais escrevo neste blog. Recomendado também para quem não me conhece.